Todos os anos, no segundo domingo de maio, é comemorado no Brasil o Dia das Mães. No entanto, algumas instituições, como escolas e empresas, têm optado por não celebrar este dia, substituindo-o pelo Dia da Família. Esta inciativa está atrelada a uma maior busca pela inclusão e acolhimento de diversas configurações familiares contemporâneas em que o que importa é reconhecer as conexões e vínculos de afeto entre crianças/adolescentes e os membros da família ou amigos. No final das contas, o que estamos festejando é a parentalidade.
Mas, o que é parentalidade?
A parentalidade está relacionada a todas as relações familiares possíveis que envolvem o cuidado e educação de crianças e adolescentes, sejam cuidados físicos, emocionais, sociais, entre outros. Conforme dito anteriormente, há diversas configurações familiares além da tradicional família formada pelo pai, mãe e filhos biológicos. Há a monoparental (formada pelo pai ou mãe, devido às situações como divórcio, viuvez ou adoção solo), a homoparental (dois pais ou duas mães que podem ter filhos adotivos ou por reprodução assistida), transparental (os pais são transgêneros), a coparental (dois ou mais indivíduos que, sem estarem em uma relação conjugal decidem ter filhos), a reconstituída (um ou ambos os parceiros possuem filhos de relacionamentos anteriores e podem ter filhos em comum), a adotiva (filhos adotados legalmente), a anaparental (ausência dos pais, assim, outras pessoas assumem a responsabilidade pelos cuidados), atípicas (famílias com crianças ou adultos com TEA - Transtorno do Espectro Autista - deficiência intelectual, síndrome de Down, etc.), entre outras.
Outro ponto que merece destaque é que, nos dias de hoje, muitas famílias ainda precisam dividir a parentalidade com o cuidado com idosos, as chamadas “geração sanduíche”. Para se ter uma ideia, segundo o IBGE (2020), o número de familiares que se dedicavam a cuidados de pessoas de 60 anos ou mais saltou de 3,7 milhões em 2016 para 5,1 milhões em 2019.
O que tudo isso significa em termos de carreira?
Isso aponta para o fato de que a parentalidade exercida em tempo integral, somada ao tempo dedicado aos cuidados com os idosos, precisa ser intercalada com o trabalho remunerado. É por esta razão que vale a pena discutirmos a questão do equilíbrio e como conciliar tantas demandas. Como exercer esse papel sem renunciar à nossa carreira e vice-versa? Entendo que os esforços devem partir de diferentes instâncias.
Quando se trata da perspectiva das organizações de trabalho, elas devem apresentar práticas em prol da parentalidade a fim de possibilitar que esta dimensão da vida seja exercida pelos seus colaboradores. São diversas as práticas que podem ser implementadas, como: ampliar a licença-maternidade e paternidade além do mínimo legal, oferecer horários flexíveis, possibilidade de jornada reduzida ou banco de horas, subsídio para creches ou convênios com instituições parceiras, espaços para amamentação ou berçários nas empresas, combater estigmas que penalizam mães ou pais por priorizarem a família, valorizar competências desenvolvidas na parentalidade, além de permitir o trabalho remoto ou híbrido quando possível. Outro ponto fundamental é treinar lideranças para lidar com o tema com sensibilidade e sem julgamentos, tornando-as mais empáticas.
Possibilitar que os profissionais exerçam a sua parentalidade, inclusive, pode trazer resultados positivos para as empresas como maior motivação, atração e retenção de talentos, desafios amplamente presentes nas empresas nos dias de hoje. Uma pesquisa de Oxford encontrou uma relação causal entre trabalhadores felizes e um aumento de 13% na produtividade. Por outro lado, funcionários infelizes custa ao mundo US$ 8,8 trilhões, ou seja, 9% do PIB global.
Sob a perspectiva do indivíduo, é importante tanto estar atento às questões do exercício da parentalidade, oferecendo um tempo de qualidade às crianças e adolescentes, quanto estabelecer algumas práticas para manter a carreira e os interesses profissionais.
Sobre o primeiro aspecto, é necessário compreender como estamos fazendo a gestão do nosso tempo, ou melhor, da nossa atenção. Segundo o Relatório "Digital 2024: 5 billion social media users", realizado em uma parceria entre a We Are Social e Meltwater (2024), o brasileiro passa, em média, 9 horas e 13 minutos na internet diariamente. Não é à toa que estamos vivenciando um outro fenômeno atrelado a esse uso desmedido de telas, especialmente, pelos pais: o phubbing parental. Esse termo é uma junção das palavras phone (telefone) e snubbing (esnobar) e trata-se do ato de ignorar pessoas por dar atenção demais ao celular, ocasionando desde falhas na comunicação até a diminuição da conexão emocional entre as pessoas. Esta atitude tem trazido diversas consequências para os filhos, como desconexão emocional, modificação comportamental e o uso problemático da internet pelos adolescentes. Mas, como podemos evitar que isso tudo aconteça? É importante que se crie um ambiente familiar livre de phubbing, priorize a interação entre os membros da família e estabeleça limites no uso das telas tanto para crianças e adolescentes quanto para os próprios adultos a fim de proporcionar um modelo de comportamento saudável.
Com relação ao segundo aspecto, ou seja, manter a carreira e os interesses profissionais, é importante avaliarmos as prioridades com relação às tarefas de trabalho de maior impacto, realizar um planejamento de carreira que contemple as necessidades da parentalidade e construir uma rede de apoio - seja ela formada por parceiros(as), familiares, amigos, profissionais ou colegas de trabalho - criando rotinas conjuntas com quem cuida das crianças. No ambiente profissional, também é aconselhável alinhar as expectativas, a partir de um diálogo transparente com lideranças sobre demandas, horários e tarefas. É fundamental focar no autocuidado, ou seja, encontrar um espaço na agenda para atividades físicas, hobbies, terapia, meditação, lazer, entre outras atividades de interesse, estabelecer limites entre o trabalho e a casa, saber dizer “não”, fazer pausas ao longo do dia e celebrar as conquistas - tanto as grandes, quanto as pequenas.
Desta maneira, é possível estabelecermos uma vida mais saudável mentalmente para exercermos as atividades significativas na vida, como a parentalidade e as atividades profissionais, reduzindo o sentimento de culpa e a sobrecarga.
No fundo, abordar a parentalidade no mundo do trabalho significa discutir o lugar que damos às relações humanas em nossas sociedades. Ao reconhecermos que cuidar de crianças, adolescentes e idosos é também criarmos o futuro, abrimos espaço para uma reflexão crítica sobre o que valorizamos como trabalho, como afeto e como vida significativa.
Referências:
Howe, Lauren C.; Menges, J. (2024). Research: How family motivates people to do their best work. Harvard Business Review.
IBGE. (2020). Com envelhecimento, cresce número de familiares que cuidam de idosos no país. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/27878-com-envelhecimento-cresce-numero-de-familiares-que-cuidam-de-idosos-no-pais#:~:text=O%20número%20de%20familiares%20que,de%20moradores%20no%20ano%20passado. Acesso em 08 de maio de 2025.
Melhor RH. (2024). Parentalidade e carreira: combinação positiva.
Moss, J. (2023). Creating a happier workplace is possible – and worth it. Harvard Business Review.
RH pra você. (2024). A importância da parentalidade nas empresas.
We are social; Meltwater. (2024). Disponível em:
https://wearesocial.com/us/blog/2024/01/digital-2024-5-billion-social-media-users/. Acesso em 08 de maio de 2025.
Vanessa Martines Cepellos é formada em Administração de Empresas pela Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP) e em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Atua como professora, psicóloga clínica e orientadora de carreira. Mestre em Administração de Empresas na linha de pesquisa de Estudos Organizacionais na FGV-EAESP. Doutora em Administração de Empresas pela Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV-EAESP) na linha de pesquisa de Estudos Organizacionais (aprovada com distinção). Durante o doutorado realizou período sandwich na University of Bradford financiada pelo CNPq. Sua tese de Doutorado foi indicada para o Prêmio CAPES de Tese em 2017.
Este artigo tem caráter informativo e não substitui a orientação de profissionais qualificados, como psicólogos ou psiquiatras.
Caso você identifique questões relacionadas aos padrões de vínculo que estejam prejudicando seus relacionamentos, recomenda-se procurar o apoio de um profissional especializado para uma avaliação e intervenção adequadas.