Esta é uma pergunta que frequentemente nos deparamos nas consultas médicas e que, mais do que um questionamento, traduz uma concepção mais ampla que os pacientes carregam a respeito dos exames laboratoriais, de imagem, biofísicos e outros tipos de análise. A ideia que trazem é a de que o seu bem-estar geral está intimamente relacionado aos seus exames e de que o diagnóstico médico depende em grande parte da solicitação e análise destes resultados.
A verdade é que o processo de estabelecer um diagnóstico é muitas vezes mais simples do que se imagina. Uma anamnese detalhada e exame físico bem executados são capazes de solucionar cerca de 80% dos problemas, de acordo com estudos científicos. Trata-se dos problemas de saúde que orbitam o cotidiano dos médicos: infecções respiratórias, dores musculares, problemas do estômago e intestinos, enxaqueca e outras cefaleias, entre outros problemas. Tais doenças têm seu diagnóstico realizado eminentemente pela clínica do paciente, isto é, o relato do paciente consistente com a hipótese em questão, aliado a um exame físico bem executado serão suficientes para selar o diagnóstico.
Há de se perceber, portanto, que o exame clínico é o grande substrato e pedra angular para se construir um panorama geral da saúde e bem-estar do paciente e é inclusive na maior parte das vezes suficiente para realizar um diagnóstico e estabelecer um tratamento adequado.
Não podemos, contudo, negar a importância dos exames complementares enquanto recursos diagnósticos para os outros casos cuja análise clínica não foi suficiente e para o rastreamento de doenças, como diabetes, câncer de mama e colo do útero, dislipidemia (problemas relacionados ao colesterol), entre outros. São doenças cuja definição e diagnóstico dependem de exames complementares. O diabetes mellitus do tipo II, por exemplo, é definido como duas medidas de glicemia de jejum maior ou igual a 126 ou hemoglobina glicada maior ou igual a 6,5%, por exemplo. Por mais que o diabetes possa causar sinais e sintomas, eles somente ocorrerão em fases mais tardias da doença e, com exames complementares, nos tornamos capazes de antecipar o diagnóstico e aumentar a sobrevida dos pacientes.
Entretanto, a solicitação inadvertida de exames complementares pode ocasionar danos aos pacientes e é nesse ponto que devemos compreender que nem sempre a quantidade de exames solicitados significará uma análise aprofundada e coerente por parte do médico. Toda vez que solicitamos um exame estamos submetendo nossos pacientes a um teste com uma probabilidade calculável de acerto e erro, além de que nem sempre uma alteração em exame será a justificativa do sintoma referido pelo paciente.
No nosso exemplo da dor lombar, imaginemos que a queixa do paciente seja no lado direito e que seja submetido a uma tomografia de abdome e coluna. É encontrado, então, um cálculo renal à direita. A culpa da dor é da pedra encontrada? É uma pergunta complexa e que deve ser respondida pela Semiologia Médica: se os sinais e sintomas do paciente forem compatíveis com pedra nos rins, então a resposta será afirmativa. Se os sinais e sintomas forem compatíveis com dor muscular, então o cálculo é um achado incidental.
Imagine agora que a pedra encontrada seja de tamanho moderado e o urologista opte por removê-la por meio de um procedimento. O paciente será anestesiado, terá seu trato urinário invadido e estará sujeito às complicações do procedimento. O cálculo renal nada tinha de relação causal com o motivo que levou o paciente a buscar assistência médica e talvez sequer causasse problemas um dia. Contudo, o mau uso de um exame de imagem gerou um problema e aumentou os riscos de morbimortalidade de nosso paciente.
A discussão sobre o uso adequado de exames complementares se estende até mesmo à esfera da oncologia. Curiosamente nas últimas décadas o câncer de tireoide teve um grande aumento no número de casos. Isso se deve à utilização quase universal de ultrassonografia nos grandes centros. O número de casos aumentou, portanto, pela maior detecção de casos e não pelo maior número de doentes por si só. Entretanto, a mortalidade por câncer de tireoide se mostrou constante nos últimos anos, apesar do maior número de procedimentos de punções, biópsias e cirurgias tireoidectômicas. Notamos, neste exemplo, como até mesmo para doenças potencialmente graves o uso de exames deve ser criterioso e baseado em evidência científica.
Sendo assim, podemos concluir que a primazia sobre a qual se alicerça o raciocínio de um médico é a clínica de seu paciente, representada pelos sinais e sintomas e obtida por meio de anamnese e exame físico, que traduz seu estado geral de saúde em um contexto mais amplo e integral sendo inclusive suficientes para efetuar a maior parte dos diagnósticos. Ressalta-se também que o uso indiscriminado de exames pode acarretar intervenções e procedimentos desnecessários aumentando os riscos aos quais submetemos nossos pacientes. De forma não muito surpreendente grande parte das vezes que o profissional médico faz uso inadequado de exames é nos momentos em que falha no uso de suas habilidades clínicas mais fundamentais. Assim sendo, na próxima vez que você for a uma consulta médica não fique tão desejoso com exames para “revirá-lo do avesso” pois eles efetivamente poderão fazer de uma maneira diferente daquela que você gostaria.
Referências
NORMAN, Armando Henrique; TESSER, Charles Dalcanale. Quaternary prevention in primary care: a necessity for the Brazilian Unified National Health System. Cadernos de Saúde Pública, v. 25, p. 2012-2020, 2009.
STARFIELD, Barbara; SHI, Leiyu; MACINKO, James. Contribution of primary care to health systems and health. The milbank quarterly, v. 83, n. 3, p. 457-502, 2005
Bruno P. Cambiaghi é médico formado pela Universidade Federal de Alfenas, e atua como residente de Psiquiatria na Universidade Federal de São Paulo.
Este artigo tem caráter informativo e não substitui a orientação de profissionais qualificados, como psicólogos ou psiquiatras.
Caso você identifique questões relacionadas aos padrões de vínculo que estejam prejudicando seus relacionamentos, recomenda-se procurar o apoio de um profissional especializado para uma avaliação e intervenção adequadas.