Por que algumas pessoas conseguem lidar bem com seus relacionamentos, enquanto outras vivem entre conflitos ou evitam se envolver? John Bowlby, um renomado psiquiatra e psicanalista britânico, dedicou seu trabalho a responder essa pergunta. Ele criou a “teoria do apego”, registrada em uma trilogia de livros, para mostrar que as vivências emocionais da infância têm um impacto profundo nos vínculos que formamos ao longo da vida adulta.
Bowlby acreditava que todos desejamos relações estáveis e saudáveis, mas que as dificuldades nos relacionamentos frequentemente têm raízes em padrões formados nos primeiros anos de vida. Se uma criança cresce em um ambiente de segurança e afeto, ela tende a desenvolver confiança e equilíbrio emocional. Já quando falta cuidado ou ocorrem separações dolorosas, as consequências negativas podem perdurar ao longo de toda a vida.
Nos anos 1950, Bowlby publicou um relatório denominado "Cuidados Maternos e Saúde Mental", onde desafiou a ideia de que o afeto prejudica o desenvolvimento das crianças. Pelo contrário, ele mostrou que carinho e proximidade com os cuidadores primários constroem segurança emocional. Pais eficazes são presentes, atentos e cuidadosos, auxiliando a criança quando necessário, ajudando-a a entender suas emoções e enfrentando dificuldades de forma construtiva. Assim, cria-se na criança uma base de segurança emocional, permitindo que desenvolva confiança em si mesma e enfrente os desafios da vida com mais autonomia.
Bowlby não ignorava as complexidades da parentalidade. Ele reconhecia que, mesmo com boas intenções, os pais podem cometer erros devido ao estresse, distrações ou problemas pessoais. Em sua obra "Separação – Angústia e Raiva, ele descreveu os efeitos da ausência de cuidado materno adequado que, especialmente nos primeiros anos de vida, podem levar a sentimentos iniciais de protesto, depois de desespero e, finalmente, isolamento em crianças.
Bowlby identificou três principais padrões de apego na infância:
Apego Seguro: indivíduos com esse estilo conseguem lidar com problemas de forma madura, são emocionalmente estáveis e têm confiança nos parceiros. Quando surgem problemas, eles têm confiança em sua capacidade de lidar com as dificuldades. Esses indivíduos têm uma visão construtiva e realista da vida, e acreditam que soluções sejam possíveis, ainda que problemas sejam inevitáveis na vida.
Apego Ansioso: pessoas ansiosas tendem a demonstrar comportamentos possessivos, buscando validação constante e temendo o abandono. É preciso reafirmar que o outro não a deixou ou desapareceu. Há muita raiva e ressentimento envolvidos, como se a sua sobrevivência dependesse dos cuidados da outra pessoa. Qualquer lapso ou descuido pode ser interpretado como desconsideração.
Apego Evitativo: esse padrão é caracterizado por um distanciamento emocional, onde o indivíduo evita dependência ou intimidade excessiva. A pessoa prefere se afastar a admitir que precisa do outro, porque o medo do desprezo ou o risco de se perder na relação com o outro são muito assustadores.
Para ilustrar esses três principais padrões de apego, imagine um relacionamento saudável, marcado por apego seguro, no qual um dos parceiros viaja por alguns dias. Embora possam sentir saudades um do outro, há confiança mútua e equilíbrio emocional. Ambos mantêm contato de forma natural, partilhando o dia a dia sem cobranças. A distância temporária não causa ansiedade, pois ambos confiam na solidez do vínculo e no compromisso que têm um com o outro.
Já em um relacionamento com apego ansioso, a ausência de um parceiro, mesmo por algumas horas, gera um sentimento de insegurança. Mensagens constantes, perguntas para reassegurar o amor e o medo de abandono são frequentes. A necessidade de validação acaba desgastando a relação, criando um ciclo de dependência emocional que, muitas vezes, sufoca o outro parceiro.
Por outro lado, em um relacionamento onde predomina o apego evitativo, há um afastamento na intimidade emocional. Quando surgem conversas sobre sentimentos ou problemas no relacionamento, muda-se de assunto ou minimiza-se as questões. Há uma preferência por manter uma distância emocional, evitando vulnerabilidades ou situações que exijam uma conexão íntima.
Embora o padrão de apego de uma pessoa tenha certa estabilidade, ele não é completamente fixo. É possível que alguém apresente diferentes estilos de apego em relação à mesma pessoa, e isso pode ocorrer por diversos motivos.
Se o relacionamento for inconsistente, se a pessoa às vezes se sentir apoiada e em outras negligenciada, ela pode oscilar entre se apegar por medo de abandono e se afastar para se proteger. Além disso, o contexto influencia as reações: em situações de conflito, a pessoa pode evitar a proximidade para reduzir o desconforto emocional; já em momentos de vulnerabilidade, ela tende a buscar mais segurança e apoio.
Com o tempo, os estilos de apego podem mudar. Alguém que inicialmente evita a proximidade pode, ao construir confiança, desenvolver uma postura mais segura nos relacionamentos. As ações da outra pessoa também têm impacto: comportamentos como ser muito exigente ou distante podem provocar respostas diferentes, como ansiedade ou afastamento.
Entender os tipos de apego nos permite refletir sobre como as vivências da infância moldam nossos sentimentos nas relações ao longo da vida. Essa percepção nos ajuda a identificar padrões que dificultam a criação ou manutenção de conexões saudáveis. Alguém com apego ansioso pode começar a perceber sua necessidade excessiva de aceitação e validação e buscar formas alternativas de fortalecer sua autoestima. Por outro lado, uma pessoa com apego evitativo pode se dar conta de como sua tendência à independência e isolamento exagerados impacta negativamente seus relacionamentos e, assim, se permitir experimentar maior abertura emocional.
O impacto do trabalho de Bowlby vai além da psicologia. Suas ideias mudaram a forma como cuidamos das crianças e nos relacionamos com nossos próprios sentimentos. Reconhecendo nossa história de apego, podemos trabalhar para construir relações mais saudáveis e encontrar um equilíbrio emocional que nos permita viver de forma mais plena.
Referências:
BOWLBY, J. (2019). Apego e perda - Apego: A natureza do vínculo. São Paulo: Martins Fontes. (Tradução da obra original "Attachment and Loss: Attachment", de 1969.)
THE SCHOOL OF LIFE. (2018). Grandes Pensadores. Rio de Janeiro: Sextante, pp. 239–244.
Marcelo de Andrade Pinheiro é psicólogo clínico, mestre em Psicologia e Doutor em Estudos Organizacionais. Atua como professor universitário de Psicologia.
Este artigo tem caráter informativo e não substitui a orientação de profissionais qualificados, como psicólogos ou psiquiatras.
Caso você identifique questões relacionadas aos padrões de vínculo que estejam prejudicando seus relacionamentos, recomenda-se procurar o apoio de um profissional especializado para uma avaliação e intervenção adequadas.