A Organização Mundial da Saúde (OMS) define saúde mental como um estado de bem-estar em que a pessoa consegue usar suas habilidades, lidar com os desafios diários, ser produtiva e contribuir para sua comunidade. Apesar disso, a saúde mental ainda é um tema cercado por tabus e desinformação. Dados da OMS mostram que cerca de um bilhão de pessoas no mundo – uma em cada oito – enfrentam problemas de saúde mental. Contudo, seja pela evitação das pessoas em relação ao tema, seja pela falta de acesso às ferramentas que auxiliam na prevenção de transtornos mentais, a maioria não recebe os cuidados necessários.
Além das dificuldades enfrentadas pelos indivíduos, problemas de saúde mental têm custos significativos para as economias globais. De acordo com a OMS, estima-se que a depressão e a ansiedade custam à economia mundial cerca de US$ 1 trilhão por ano em perda de produtividade, o que torna o investimento em saúde mental não apenas uma necessidade social, mas também econômica.
No Brasil, a saúde mental é garantida como parte do direito constitucional à saúde, porém, o acesso a cuidados especializados ainda é limitado para grande parte da população. A rede de atenção psicossocial, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), oferece apoio essencial, mas enfrenta desafios significativos, o que também representa um desafio no cenário internacional. Antes mesmo da pandemia de Covid-19, apenas 12% das pessoas em países de baixa renda tinham acesso a tratamento adequado para condições graves, como a psicose, enquanto essa taxa chegava a 70% em países de alta renda.
Outro obstáculo é a distribuição geográfica desigual de profissionais de saúde mental, que se concentram em áreas urbanas, de modo que as populações rurais e periféricas não têm suporte adequado ou, quando dispõem, ocorre em menor escala, agravando ainda mais o cenário e as desigualdades regionais no acesso ao cuidado. Soluções como o uso de tecnologia e telemedicina, podem ajudar a reduzir essas disparidades, mas ainda são embrionárias ao olharmos para o cenário nacional.
O Papel do Trabalho na Saúde Mental
O ambiente de trabalho pode tanto proteger quanto fragilizar a saúde mental. Condições como excesso de demandas, insegurança e falta de apoio por parte de pares, gestores diretos e outros líderes da empresa são fatores de risco conhecidos. Além disso, condições pessoais e subjetivas, como a baixa autoestima, também podem contribuir para os transtornos mentais, tornando, por vezes, o ambiente de trabalho uma carga insustentável e de vulnerabilidade para o indivíduo.
Pesquisas demonstram que culturas organizacionais baseadas em competitividade extrema e metas irrealistas são especialmente prejudiciais à saúde mental de seus profissionais. Essas práticas não apenas aumentam o estresse, mas também geram alta rotatividade e dificultam a retenção dos melhores empregados.
Empresas que investem em políticas de bem-estar relatam benefícios significativos, como menor absenteísmo e maior engajamento de seus colaboradores. Programas de mentoria, grupos de apoio e práticas que normalizam o cuidado com a saúde mental durante toda a carreira do indivíduo – do recrutamento ao desligamento, seja voluntário ou por iniciativa da organização – são passos importantes. Além disso, atitudes simples, como evitar estigmatizar os transtornos mentais, ajudam a criar um ambiente mais acolhedor, produtivo e sustentável.
Empresas pioneiras em saúde mental, como a Unilever e o Google, implantaram iniciativas inovadoras, como pausas para meditação, aplicativos internos de apoio psicológico e treinamentos para gestores sobre como abordar o tema com empatia. Esses exemplos podem servir como inspiração para outras organizações, uma vez que naturalizam que o bem-estar também é parte de uma carreira exitosa.
Além disso, estabelecer indicadores específicos para medir o impacto das políticas de saúde mental no desempenho organizacional apoia e orienta empresas na justificativa e aprimoramento de seus investimentos nessa área.
Educação e Desmistificação: Um Caminho para Todos
Uma das formas mais eficazes de reduzir o estigma em torno da saúde mental é por meio da educação. Instituições de ensino podem incluir temas como autocuidado e empatia em seus currículos desde o ensino fundamental, formando gerações mais conscientes. Em paralelo, campanhas públicas podem ampliar a conscientização e promover discussões abertas, gerando maior integração e ressonância entre diferentes partes interessadas da sociedade.
A inclusão de atividades práticas, como círculos de conversa e oficinas sobre manejo do estresse, pode complementar as abordagens teóricas nas escolas. Isso permite que os alunos não apenas aprendam conceitos, mas também desenvolvam habilidades emocionais desde cedo.
Além das escolas, as redes sociais são ferramentas poderosas para disseminar informações corretas e acessíveis sobre saúde mental. Investir em campanhas digitais, utilizando especialistas no campo, pode atingir um público mais amplo, especialmente entre os jovens, que estão mais presentes nesses espaços.
Em nossas interações cotidianas, pequenos gestos fazem diferença: usar uma linguagem respeitosa, evitar termos pejorativos e abrir espaço para que as pessoas compartilhem suas experiências sem medo de julgamento são formas de normalizar o tema.
Exemplos pessoais, especialmente quando vindos de figuras públicas, também ajudam a quebrar barreiras e a gerar conexão entre as pessoas, demonstrando que espaços seguros e vulnerabilidades existem. Quando celebridades e líderes falam abertamente sobre suas condições de saúde mental, mostram que buscar ajuda não é sinal de fraqueza, mas de coragem.
É fundamental que campanhas educativas não apenas normalizem a busca por ajuda, mas também orientem sobre como reconhecer sinais de problemas emocionais, como insônia persistente, irritabilidade excessiva e isolamento social. Esses sinais são muitas vezes ignorados, atrasando intervenções que poderiam ser simples e eficazes.
Um Chamado à Ação
Para transformar o cenário da saúde mental, todos têm um papel: familiares, amigos, gestores, educadores e os próprios indivíduos. Desmistificar o cuidado com a saúde mental exige diálogo aberto, empatia e ações concretas.
A colaboração entre governos, empresas privadas e organizações não governamentais é essencial para desenvolver políticas públicas sustentáveis e acessíveis. Programas como os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), que oferecem atendimento gratuito, podem ser fortalecidos com investimentos em recursos humanos e materiais.
No Brasil, as políticas públicas muitas vezes negligenciam o bem-estar emocional em prol de interesses econômicos. Avanços recentes, como a reestruturação dos CAPS, que oferecem serviços direcionados à saúde mental de forma aberta e comunitária –, enfrentam desafios contínuos, como a ameaça às portarias ministeriais que regulamentam serviços essenciais.
Por isso, o momento exige engajamento coletivo. Escolas, ambientes de trabalho saudáveis, e políticas públicas fortalecidas podem ser agentes de mudança. Estudos, como os publicados na revista The Lancet, reforçam que intervenções preventivas reduzem o impacto de transtornos como a depressão e incentivam a adesão de mais pessoas às práticas de autocuidado.
Além de políticas institucionais, a mobilização comunitária também desempenha um papel importante. Grupos locais podem organizar eventos, como palestras e rodas de conversa, para disseminar informações sobre saúde mental. Tais iniciativas aproximam o tema do cotidiano das pessoas, aumentando a conscientização.
Construir uma sociedade mais empática, informada e resiliente é possível, mas depende de cada um de nós. Ao valorizarmos a saúde mental como parte essencial da vida, não apenas reduzimos o estigma, mas promovemos bem-estar coletivo e mudanças sociais consistentes.
Referências
Nathália Araújo Vieira Bruni
Este artigo tem caráter informativo e não substitui a orientação de profissionais qualificados, como psicólogos ou psiquiatras.
Caso você identifique questões relacionadas aos padrões de vínculo que estejam prejudicando seus relacionamentos, recomenda-se procurar o apoio de um profissional especializado para uma avaliação e intervenção adequadas.